Precisamos devolver o verde para nossa terra

08 de September de 2022

Renovação é a palavra-chave no atual momento da Fundação SOS Mata Atlântica. Uma renovação cuidadosa, que reconhece as pessoas e não se distancia da trajetória e dos valores que marcam o trabalho da organização desde a sua criação. E que parte do princípio de que mudanças de contexto pressupõem transformações na organização, para que ela fortaleça a causa e a própria Mata Atlântica com sua atuação.  Dentro desse quadro, Marcia Hirota, que já ocupou diversas funções na Fundação e que, até recentemente, ocupava o cargo de diretora executiva da SOS Mata Atlântica, passa o bastão para Luís Fernando Guedes Pinto, até então diretor de Conhecimento. Marcia assume a presidência do Conselho Administrativo, sendo a primeira mulher a estar nessa função.  “O desafio do Conselho para nós é garantir que a SOS Mata Atlântica mantenha a sua identidade, mas saia da zona de conforto. Queremos continuar uma organização enxuta, coesa, motivada, com diferentes gerações trabalhando de forma ágil, mas, ao mesmo tempo, aumentar o nosso impacto. Então, o mandato que eu recebo é ter mais impacto, mais visibilidade, nos conectar com o nível internacional, promovendo um crescimento que faça sentido. Para isso, vamos precisar crescer em volume de recursos”, diz Luís Fernando.  Márcia reforça que a SOS Mata Atlântica é uma ‘ONG de gente’ e foi uma das primeiras organizações a profissionalizar técnicos para o desenvolvimento de projetos, estudos e atividades na área ambiental. Prestes a completar 36 anos de atuação, a Fundação já inovou constantemente na sua gestão, sempre buscando o fortalecimento institucional ao longo de sua trajetória. “Isso é parte de uma renovação contínua que a instituição precisa conduzir para estar sempre com uma nova energia, porque o desafio que temos é imenso. Então, precisamos também de novas cabeças, novas forças, novos relacionamentos e formas de atuar de olho no futuro.”  A emergência climática já ganhou destaque no guarda-chuva de causas da Fundação. O bioma Mata Atlântica tem soluções de adaptação que podem ser compartilhadas com o mundo e ganhar escala. E, pelo fato de sua presença se estender a grande parte do litoral brasileiro, suas cidades estão bastante suscetíveis ao aumento do nível do mar prenunciado pelo IPCC (Painel do Clima da ONU).  A importância de cidades e estados elaborarem planos de adaptação que já prevejam ações e recursos para minimizar os efeitos da emergência climática é destacada por Marcia e Luís Fernando, que apontam ainda os efeitos pouco visíveis, como ondas de calor que têm ceifado muitas vidas na Europa. Além de enchentes, deslizamentos e outros eventos extremos.  “A Mata Atlântica é o bioma da restauração. Temos nas mãos todos os dados, conhecimento, tecnologia e arcabouço legal para restaurar a Mata Atlântica. O bioma é uma área fundamental para a produção de alimentos no Brasil e para a saúde das pessoas. Faz todas essas conexões. E temos o desafio de levar a Mata Atlântica para o cenário internacional, mostrar ao mundo sua importância como referência e laboratório para as soluções globais”, analisa Luís Fernando.  [caption id="attachment_1090645729" align="aligncenter" width="640"] Luis Fernando participa de painel na Conferência do Clima de 2021 (COP26), em Glasgow, Reino Unido.
A dupla destaca a vital importância de promover soluções de adaptação para todos, que combatam as desigualdades, já que as pessoas em situação mais vulnerável e mais pobres são aquelas que sentem mais e por mais tempo as consequências da emergência climática. “Dois terços da população brasileira vive em mais de 3400 municípios da Mata Atlântica e boa parte dessa população está em áreas de risco”, destaca Marcia.  A atual década em que vivemos é apontada como decisiva para o futuro do planeta do ponto de vista climático, da diversidade biológica, da prosperidade, de garantir recursos naturais para alimentar e atender todo o planeta. “É um período crítico e decisivo para o futuro da humanidade, e está muito claro que as soluções baseadas na natureza, conservar os ecossistemas, os biomas e restaurá-los é um caminho necessário, inevitável e urgente para mantermos o planeta saudável”, diz Luís Fernando.  De 2021 a 2030, estão em vigor a Década da Restauração dos Ecossistemas e a Década dos Oceanos. Novas metas passam a valer pela Convenção da Diversidade Biológica da ONU. O ano de 2030 é chave também para o Protocolo de Paris e para a implementação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, os ODS. E o Brasil é peça importante nesse processo, pela abundância da biodiversidade e de água doce e pelo potencial para o desenvolvimento de uma economia verde, de baixo carbono e inclusiva.    “Precisamos ter, cada vez mais, um Congresso Nacional com parlamentares comprometidos com o meio ambiente, com a Mata Atlântica. Queremos que eles reconheçam essas agendas e incluam os temas em seus programas e prioridades. E precisamos fazer com que isso se amplie nos 17 estados abrangidos pelo bioma, nas Assembleias Legislativas e nos espaços da vereança. Isso é uma prioridade,” define Marcia.  Esses desafios estão colocados na carta Retomar o Desenvolvimento, que foi elaborada pela Fundação para as Eleições 2022 e está destinada às próximas gestões dos poderes executivos e legislativos federal e estaduais, como propostas urgentes relacionadas à conservação do meio ambiente e à mitigação da emergência climática.  “Temos que cobrar coerência e compromisso com uma agenda socioambiental democrática. A democracia é algo que a SOS Mata Atlântica não abre mão, é um valor fundamental e básico para qualquer outra coisa funcionar. Mas, além disso, a gente tem uma pauta específica para os governantes, com uma agenda propositiva. E precisamos reverter os retrocessos. Estaremos em 2023 cobrando coerência e uma agenda positiva, esperando que essa mudança, que é urgente, emergente e essencial, realmente aconteça,” diz Luís Fernando.  [embed]https://www.youtube.com/watch?v=BLPzjRN1nsk[/embed] Confira abaixo a íntegra da entrevista:  Como vocês analisam essa troca de funções dentro do quadro da SOS Mata Atlântica?  Luis Fernando (LF) Para mim, a palavra-chave de tudo isso é renovação. Uma busca de renovação institucional, mas sem perder a identidade e a história. Tem sido um processo muito responsável e cuidadoso conduzido pelo nosso Conselho Administrativo e pela Marcia, olhando para o futuro. Tudo isso vem de um olhar estratégico da liderança da organização, tendo em vista que o contexto mudou, que vivemos um novo tempo e que a renovação é importante para o fortalecimento da Fundação e da causa da Mata Atlântica. A presença da Márcia na presidência do Conselho é um sinal de que temos mudanças, mas não rupturas com a nossa história. Ela segue como guardiã da alma da SOS Mata Atlântica e passa o bastão para uma nova liderança que vai contribuir com novas ideias, experiências e uma outra trajetória. Eu faço parte da trajetória da Fundação, mas trago um olhar diferente. E há um significado importante nessa chegada da Marcia à presidência do Conselho. Ela é a primeira mulher que assume essa função, uma ambientalista e uma líder nata inquestionável da SOS Mata Atlântica. Ela começou como voluntária e chegou à presidência do Conselho. Isso é de um valor enorme.  O desafio do Conselho para nós é garantir que a SOS Mata Atlântica mantenha a sua identidade, mas saia da zona de conforto. Queremos continuar uma organização enxuta, coesa, motivada, com diferentes gerações trabalhando de forma ágil, mas ao mesmo tempo aumentar o nosso impacto. Então, o mandato que eu recebo é ter mais conquistas, mais visibilidade, nos conectar com o nível internacional, promovendo um crescimento que faça sentido. Para isso, vamos precisar crescer em volume de recursos.  Marcia Hirota (MH) São transformações necessárias para atingir a nossa missão e os nossos objetivos institucionais. A SOS Mata Atlântica é uma "ONG de gente" e foi uma das primeiras organizações a profissionalizar técnicos para o desenvolvimento de projetos, estudos e atividades na área ambiental. Prestes a completar 36 anos de atuação, a Fundação já inovou constantemente na sua gestão, sempre buscando o fortalecimento institucional ao longo de sua trajetória. “Isso é parte de uma renovação contínua que a instituição precisa conduzir para estar sempre com uma nova energia, porque o desafio que temos é imenso. Então, precisamos aprimorar sempre a nossa governança e gestão, precisamos também de novas cabeças, novas forças, novos relacionamentos e formas de atuar de olho no futuro.”   No caso do Conselho, essa renovação também é desejada. O primeiro presidente foi o Fábio Feldmann, ambientalista, e os três seguintes foram Rodrigo Lara Mesquita e, os dois últimos, Roberto Luiz Leme Klabin e Pedro Luiz Barreiros Passos, empresários. E agora, vem uma mulher para ocupar esse lugar. Nesse momento em que eu assumo a presidência do Conselho e o Luís Fernando assume a diretoria executiva, nossa busca é por um novo olhar para o futuro da instituição e da própria Mata Atlântica. A diretoria executiva e a gestão da Fundação estão em boas mãos! Estamos desenhando novas estratégias, prioridades e metas para os próximos anos. E essa mudança tem sido bem recebida pela equipe e pelos parceiros. Renovar também para fortalecer o movimento. Estamos perdendo líderes históricos e precisamos ajudar a formar novas lideranças, valorizar e trazer novas pessoas e aliados para a nossa causa.   Sempre trabalhamos com muita colaboração, todo o time sempre teve oportunidades de trazer ideias, criar projetos, contribuir na construção da agenda institucional e participar das nossas iniciativas. Não só a equipe, mas também voluntários e parceiros. Estamos muito abertos a inovar, a cocriar, a fazer as transformações necessárias para garantir o futuro da Mata Atlântica. Estamos abertos a novas ideias e parcerias para dar concretude para a proteção e restauração desse bioma tão ameaçado.  O que a trajetória pessoal de cada um de vocês aporta para a função que assumem agora na Fundação?  LF Trabalhei 20 anos no Imaflora e, como parceiro da Fundação SOS Mata Atlântica, sempre tive muita admiração pela organização e pelas pessoas. E também por se tratar de uma ONG brasileira - e digo isso sem nenhum preconceito com as organizações internacionais, que também são importantes. Para mim, ser convidado a integrar a SOS Mata Atlântica é um grande motivador. Vestir a camisa, levar a bandeira, é uma coisa muito especial. Sou engenheiro agrônomo, aprendi a desmatar, tive aulas sobre como derrubar florestas, usar agrotóxicos, enfim, todo o cardápio da Revolução Verde, e isso em uma das melhores escolas de agronomia do mundo. Minha residência agronômica na graduação foi realizada na Estação Ecológica Juréia-Itatins, em um projeto de adubação verde nas comunidades tradicionais. A interação entre agricultura e floresta já despertou em mim desde a graduação. Além de ter a inspiração da minha mãe, pelo lado da natureza, e do meu pai, por um olhar social sobre a desigualdade. Mestrado e doutorado foram também nessa interface entre agricultura e floresta. Depois vieram os anos no Imaflora.   Então, em todo esse tempo, estive atuando sobre como a agricultura pode colaborar para a conservação florestal. É essa experiência que eu trago para a SOS Mata Atlântica. O que posso agregar é essa conexão do olhar para a mata, mas também para o campo, esse setor que é chave para o futuro do bioma e um vetor de pressão e desmatamento. E que é o setor que vai restaurar a Mata Atlântica. O setor agropecuário brasileiro é dono de 80% das terras da Mata Atlântica. Tem a obrigação, e espero que tenha o interesse, de restaurar pelo menos 4 milhões de hectares de matas ciliares, senão mais.  MH Eu tenho uma trajetória completamente diferente. Não tenho formação na área, cheguei na SOS Mata Atlântica como voluntária, numa época em que eu estava em transição, fazendo pesquisas e me preparando para um mestrado. Quando jovem, fiz parte de um movimento ecológico na minha cidade, em Mogi das Cruzes, em luta pela defesa da Serra do Itapeti. A questão ambiental sempre me interessou e ficou mais forte quando estava realizando uma pesquisa sobre as tradições culturais no Vale do Paraíba. Foi nessa época que cheguei à SOS Mata Atlântica, inicialmente como voluntária, justamente para realizar uma pesquisa sobre a biodiversidade da Mata Atlântica. O primeiro projeto do qual eu colaborei na Fundação foi o I Seminário sobre Bancos de Dados para Conservação no Brasil, em dezembro de 1989. E, quando eu comecei a trabalhar com esse tema, mudei de área e fui me especializar em gerência de bancos de dados e fiz um mestrado em administração de sistemas de informação.   [caption id="attachment_1090645718" align="alignleft" width="200"] Marcia no viveiro de mudas nativas na sede da SOS Mata Atlântica.