Por que precisamos falar da Mata Atlântica na COP da Amazônia?

25 de November de 2025

Luís Fernando Guedes Pinto e Afra Balazina para o Estadão

É natural que a Amazônia ocupe o centro das atenções em negociações climáticas internacionais — afinal, a floresta amazônica é um patrimônio mundial e termômetro da crise ambiental. Mas se quisermos, de fato, enfrentar os desafios do século 21 (o aquecimento global, a perda de biodiversidade, o colapso dos recursos naturais, a escassez hídrica), precisamos ampliar o foco e incluir outros biomas nesse diálogo. A Mata Atlântica, que se estende por 17 Estados brasileiros, talvez seja o maior exemplo de que restaurar ecossistemas é possível.

Reduzida a cerca de 24% de sua cobertura original (entre eles apenas 12,4% de florestas maduras e bem preservadas), é o bioma onde vive 72% da população brasileira e concentra 80% do PIB nacional. Dela vem a água que abastece as maiores metrópoles do País e grande parte da comida que chega à mesa da população. Ao mesmo tempo, a Mata Atlântica regula o clima, protege o solo e as nascentes, garante a produtividade agrícola e melhora a qualidade do ar e da vida nas cidades.

Foi também a primeira grande floresta tropical a ser intensamente explorada no Brasil. O desmatamento começou há mais de 500 anos, com o ciclo do pau-brasil, e se aprofundou com a expansão da cana, do café e da urbanização. Só nas últimas quatro décadas, segundo o MapBiomas, perdeu 2,4 milhões de hectares de florestas. Desde 1985, a agricultura quase dobrou de área e hoje é o principal uso do solo, ocupando 19% de toda a região.

Ou seja, há mais de meio milênio a Mata Atlântica vem sendo derrubada, recuperada e novamente transformada — o que faz dela o bioma com a história mais longa de degradação e também de maior acúmulo de conhecimento sobre restauração e conservação no País. Ao longo desse tempo, aprendemos o que funciona, o que não funciona e o que precisamos mudar para restaurar florestas em larga escala. Esse aprendizado fez do bioma um laboratório vivo de inovação ambiental, onde nasceram políticas pioneiras como a Lei da Mata Atlântica, experiências de restauração florestal e modelos de engajamento entre sociedade civil, empresas e governos. É um bioma que traduz, em escala real, os desafios e as soluções do planeta: proteger o que resta e restaurar o que foi perdido.

Um novo estudo realizado pela Fundação SOS Mata Atlântica, em parceria com o Centro de Ciência para o Desenvolvimento (CCD) Estratégia Mata Atlântica, mostra que o bioma está reagindo. Entre 1993 e 2022, 4,9 milhões de hectares voltaram a ser cobertos por florestas — uma área maior do que o Estado do Rio de Janeiro. A maior parte dessa regeneração ocorre em pequenas propriedades rurais, onde a natureza tem voltado a crescer sozinha, sem plantio, nas bordas de lavouras, margens de rios e encostas íngremes.

O estudo revela, porém, que essa recuperação ainda é frágil: 22% das áreas regeneradas voltaram a ser desmatadas. Isso mostra que a regeneração natural é uma força poderosa, mas depende de políticas públicas e incentivos econômicos para se consolidar. Quando protegida, ela atua como uma aliada do clima e da economia rural, conectando fragmentos florestais, protegendo nascentes e reduzindo emissões de carbono. A Mata Atlântica, mais uma vez, aponta o caminho: a natureza faz sua parte, mas precisa que o País faça a dele.

A restauração da Mata Atlântica é uma solução baseada na natureza essencial para que o Brasil alcance suas metas climáticas e cumpra o Acordo de Paris, especialmente o de limitar em 1,5°C o aquecimento global. Cada hectare recuperado contribui para remover carbono da atmosfera, melhorar a infiltração de água no solo e reduzir riscos de deslizamentos e inundações.

A COP-30, em Belém, um dos muitos corações do bioma amazônico, é um momento decisivo para o Brasil reafirmar seu papel de liderança ambiental no cenário internacional. Mas essa liderança só será legítima se for abrangente — ou seja, se representar todos os nossos biomas.

Por isso, a COP da Amazônia deve ser também a COP da Mata Atlântica, do Cerrado, do Pantanal, da Caatinga e do Pampa. O País tem a oportunidade histórica de mostrar que o futuro climático passa por uma visão integrada de seus territórios e por uma política nacional de restauração e conservação que una ciência, empresas e sociedade civil.

Essa COP será lembrada pelos compromissos que forem capazes de cruzar fronteiras geográficas, políticas e simbólicas. A Mata Atlântica já atravessou séculos e resistiu a quase tudo. E, mesmo depois de tanto tempo, a floresta mostra que ainda quer viver. É um sinal de que, quando a pressão diminui e a proteção se mantém, a vida responde.

O Brasil tem diante de si a prova de que restaurar é possível — e que o futuro depende de dar continuidade ao que a própria floresta começou. Cabe a nós transformar esse movimento silencioso da natureza em política pública, em decisão coletiva e em compromisso duradouro. Porque o futuro não se constrói apenas preservando o que temos, mas garantindo espaço para que a vida persista.

Foto: Luís Fernando em side-event na COP30, em Belém. Crédito: Angeles Estrada Vigil.

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