Do modismo à transformação: o desafio da agricultura regenerativa

02 de September de 2025

Luís Fernando Guedes Pinto, diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, para o Nexo

Agricultura regenerativa está na moda, assim como ESG está no mundo corporativo. Substituem outros termos ligados ao desenvolvimento sustentável que já estiveram em alta, com maiores ambições. A pergunta é se ambos vão resultar em reais avanços ou somente vão desviar a atenção de setores ou compromissos que pouco avançam.

Como exemplo, vale lembrar que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU substituíram os Objetivos do Milênio. Os 17 ODS definidos em 2015, para serem alcançados em 2030, substituíram os oito Objetivos do Milênio, que foram definidos em 2000 e deveriam ter sido alcançados em 2015. Entre eles estava erradicar a pobreza extrema e a fome, promover a igualdade de gênero e garantir a sustentabilidade ambiental. Apesar de grandes avanços, criamos novas metas antes de alcançarmos as que nos comprometemos no prazo original.

Para quem acompanha a agenda do desenvolvimento sustentável no mundo corporativo, a vinda do ESG foi um retrocesso. O pilar econômico foi desmembrado do tripé social e ambiental, onde os três deveriam ter a mesma importância. Parece um detalhe, mas não é. As métricas e indicadores mudaram, após um enorme esforço de iniciativas como o GRI (Global Reporting Initiative), os indicadores do Ethos e o índice de sustentabilidade da Bovespa. As ambições e compromissos das empresas e das suas cadeias de suprimentos recuaram, como a adesão à moratória da soja, da neutralização das emissões de gases de efeito estufa e da agenda da diversidade. Várias corporações revisaram suas metas ou desembarcaram dos seus compromissos, com grande aceleração após a eleição de Trump.

Assustei-me quando participei recentemente de uma reunião com jovens líderes de ESG de empresas do agro – que estão à frente de supostos projetos de agricultura regenerativa – e relataram o encantamento em uma palestra com um guru do setor que disse que sustentabilidade é eficiência. Já faz bastante tempo que o conceito de ecoeficiência foi entendido como parte, mas insuficiente para alcançarmos um mundo sustentável. Mesmo que a taxa de extração de recursos naturais e a produção de resíduos tenha diminuído por unidade produzida em muitos setores, a quantidade total de recursos e de resíduos tem crescido e superado os limites do planeta. Isso vale para produtos industriais e agropecuários. Sustentabilidade não é fazer ajustes de gestão ou eficiência, mas mudar paradigmas, estruturas, valores e o status quo do sistema. Exige mudança de poder.

O mesmo vale para a agricultura regenerativa, que deveria implicar em uma reversão da trajetória do uso da terra e da revolução verde, em que o crescimento exponencial da produção de alimentos, energia e fibras foi apoiado na substituição dos ecossistemas naturais pelas monoculturas, nos fertilizantes e nos agrotóxicos; resultando na destruição da biodiversidade, na poluição do solo e da água e na oferta de alimentos pouco saudáveis. A eficiência busca somente reduzir os impactos ambientais, enquanto a regeneração

implica no uso da terra e em sistemas de produção em que as lavouras não somente conservam os recursos naturais, mas passam a oferecer serviços ecossistêmicos, proporcionados originalmente somente pelos ecossistemas nativos. Para isso, nos trópicos, deve ser apoiada na biodiversidade e na proteção da vida no solo.

Portanto, a revolução tecnológica da agricultura de precisão, do emprego dos drones e algoritmos poderá dar grande contribuição para o aumento da eficiência e da redução dos impactos, mas não garante uma rota para uma agricultura realmente sustentável e, muito menos, regenerativa. Já os bioinsumos podem de fato começar a mudar o jogo, pois já têm o bio (vida) no nome.

Além disso, a agricultura regenerativa deve olhar para além da lavoura e se mover rumo à restauração dos ecossistemas nativos, numa complementaridade entre esses dois componentes da paisagem. Isto é especialmente importante na Mata Atlântica, o bioma com a menor cobertura e maior fragmentação da vegetação nativa. Nela ainda está pelo menos metade da produção agropecuária brasileira. O atual estado da degradação das suas florestas ameaça a sua perenidade, assim como a própria produção agropecuária e o bem-estar nas cidades, que dependem da água e outros serviços oferecidos pela natureza. A conexão entre o pouco que sobrou das suas matas deve ser feita não somente pela restauração de florestas, mas pela própria matriz agropecuária.

As bases científicas estão bem estabelecidas para uma mudança em escala rumo à uma agricultura genuinamente sustentável e regenerativa. Mas para que isso não vire somente maquiagem, é fundamental haver políticas para mudanças estruturais e com uma visão de longo prazo. E monitoramento com transparência e robustez para a moda virar real transformação.

Compartilhar nas redes: