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04 de September de 2024
Malu Ribeiro para o Correio Brasiliense
O tabuleiro do licenciamento ambiental no Brasil ganhou novas peças e movimentos nas últimas semanas. Desde 8 de agosto, quando o presidente Lula sancionou com vetos a Lei 15.190/2025, o infame "PL da Devastação", a disputa política se intensificou. Dos 398 dispositivos do texto, 63 foram vetados para resguardar a integridade do licenciamento ambiental, evitar retrocessos nas políticas socioambientais e conter a aceleração da degradação dos biomas brasileiros, em especial a Mata Atlântica, um patrimônio natural reduzido a fragmentos e que demanda atenção redobrada. Agora, o embate retorna ao Congresso Nacional, cada vez mais marcado pela imprevisibilidade, com potencial de impactar direta, ou indiretamente, a vida de milhões de brasileiros.
Disputas partidárias e interesses setoriais têm impedido a realização de discussões técnicas voltadas ao aperfeiçoamento do licenciamento ambiental, um instrumento essencial para o país decisivo para equilibrar desenvolvimento econômico e preservação dos recursos naturais. Uma medida provisória e um projeto de lei, com prazo constitucional, podem reabrir, agora, a porta para os retrocessos que haviam sido barrados pelos vetos presidenciais. A estratégia dos que enxergam o licenciamento apenas como uma barreira burocrática a ser vencida é justamente reinserir, por meio de emendas à Medida Provisória nº 1.308/2025, tudo aquilo que foi retirado pelos vetos presidenciais.
Editada logo após a sanção, a MP instituiu a Licença Ambiental Especial (LAE), com vigência imediata para obras classificadas como estratégicas. Cabe ao Poder Executivo, por decreto e proposta do Conselho do Governo, definir quais atividades receberão essa classificação. Esses projetos passam então a ter prioridade na análise dos órgãos ambientais, com prazo máximo de um ano, ainda que submetidos a requisitos como o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (Rima). Na prática, a medida abre margem para que decisões políticas prevaleçam na definição das prioridades ambientais.
O problema se agrava diante do número crescente de emendas apresentadas à MP: já são mais de 800, algumas com potencial de fragilizar ainda mais a proteção ambiental. Duas delas voltam a atacar diretamente a Lei da Mata Atlântica ao facilitar o desmatamento e autorizar a supressão de vegetação sem a anuência do Ibama justamente nas matas primárias — hoje, restritas a 12% da cobertura florestal original do bioma. Essa flexibilização representa riscos diretos e irreversíveis, que podem elevar o desmatamento a patamares anteriores à Lei da Mata Atlântica, sancionada em 2006, quando o patamar era de 110 mil hectares ano.
Enquanto isso, nesse xadrez da política nacional, uma grande parcela da sociedade, representada por uma petição com um milhão de assinaturas, defende a manutenção dos vetos presidenciais e busca conter retrocessos no Congresso. Do outro lado, aumentam as negociações de bastidores que podem comprometer ainda mais a qualidade da legislação e recolocar os dispositivos vetados, considerados nocivos ao interesse público.
O arranjo de medida provisória e projeto de lei, criado para conter os danos mais graves da nova lei, pode acabar trazendo insegurança jurídica, caso os vetos derrubados ou trechos vetados sejam reapresentados em outros instrumentos. Em vez de oferecer previsibilidade, as flexibilizações inseridas nesses mecanismos tendem a provocar judicialização, incertezas e conflitos, tanto para empreendedores quanto para órgãos licenciadores. O resultado provável será o oposto da prometida desburocratização: um emaranhado jurídico que abre novas brechas para disputas.
No ano da COP30, em Belém, o Brasil quer se apresentar como liderança climática e anfitrião de debates globais sobre biodiversidade e transição justa, pretensão incompatível com a reabertura de facilidades para o desmatamento e o enfraquecimento de direitos socioambientais. Para que essa liderança seja legítima, é preciso coerência e compromisso real. É fundamental que o licenciamento ambiental deixe de ser visto como mero rito burocrático e se afirme como a espinha dorsal do desenvolvimento sustentável, ético e de uma economia que protege biomas, vidas e o futuro do país.