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16 de May de 2025
Marcia Hirota e Luís Fernando Guedes Pinto* para o Valor Econômico
*Respectivamente presidente e diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica
A redução do desmatamento da Mata Atlântica em 2024, em relação a 2023, foi preocupantemente pequena. Perdemos 14.366 hectares (ha) de matas maduras neste ano, contra 14.697 ha no ano anterior. Essas são as áreas com os maiores fragmentos, maior biodiversidade e maior estoque de carbono, monitoradas pelo INPE e pela Fundação SOS Mata Atlântica desde 1989. Uma redução de apenas 2% — ou, pior, uma incômoda estabilidade — na perda de florestas protegidas pela Lei da Mata Atlântica, onde o desmatamento só pode ocorrer de forma excepcional, em situações de utilidade pública ou interesse social. Embora o número represente o quarto menor valor da série histórica, ainda é superior aos encontrados em 2017, 2018 e 2020. E persiste. Essa é a questão.
O desmatamento total, que inclui matas maduras, pequenos fragmentos e florestas em regeneração — monitorado pela SOS Mata Atlântica e pelo MapBiomas — reduziu apenas 14%, passando de 82.531 ha em 2023 para 71.109 ha em 2024. Ainda assim, são 195 hectares de florestas perdidos por dia, no bioma mais devastado do país, que abriga uma biodiversidade riquíssima e altamente ameaçada. A Mata Atlântica oferece serviços ecossistêmicos essenciais, como regulação do clima, oferta de água e polinização de culturas agrícolas para 70% da população brasileira e mais da metade da produção agropecuária nacional, incluindo commodities de exportação e os alimentos que chegam à nossa mesa.
Após um novo ciclo de redução, a pequena diminuição observada neste ano acende um alerta. Como vamos dar o salto necessário rumo ao desmatamento zero? As medidas existentes para combate e prevenção são insuficientes, especialmente considerando que a maior parte da destruição ainda é ilegal. As ações de comando e controle precisam resultar em consequências reais para os infratores. O sucesso da Operação Mata Atlântica em Pé precisa ser ampliado, alcançar 100% da área desmatada, e as penalidades e multas devem se tornar realidade — hoje, grande parte das multas ambientais no Brasil simplesmente não são pagas. A impunidade, seja pela fiscalização parcial ou pela ausência de consequências, continua a alimentar a engrenagem da destruição.
A boa notícia é que o avanço da tecnologia permite compreender cada vez melhor o desmatamento e apoiar ações mais eficazes para combatê-lo. O corte de Mata Atlântica continua concentrado em poucas regiões, bem conhecidas, associadas ao avanço da fronteira agrícola em áreas privadas. Cinco estados — Bahia, Piauí, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul — concentram 93% do desmatamento, e 10 municípios, a metade.
Um destaque positivo vem do Paraná, estado que costumava liderar o ranking do desmatamento e, em três anos, conseguiu reduzir a perda de vegetação nativa em quase dez vezes — demonstrando que há um caminho é possível. Mas lá também não acabou.
Além da agropecuária, da expansão urbana, da infraestrutura e do turismo, um novo ponto de atenção em 2024 foi a perda de florestas naturais provocada por eventos extremos decorrentes das mudanças climáticas. Só no Rio Grande do Sul, esses eventos contribuíram para grande parte dos 3.030 ha de matas perdidas. Os eventos extremos representam uma ameaça não apenas para as populações em áreas de risco, mas também para os ecossistemas em regiões frágeis. Esse cenário evidencia a necessidade de ampliar as responsabilidades e os compromissos dos municípios na agenda de prevenção, adaptação e combate ao desmatamento. Embora as ações federais e estaduais sejam fundamentais, é no território municipal que muitas decisões práticas são tomadas no ordenamento do território, o uso e ocupação do solo e a fiscalização de atividades econômicas.
Além da rigorosa aplicação da Lei da Mata Atlântica e das ações de comando e controle, é necessário eliminar as atividades econômicas baseadas na produção ilegal. O embargo de áreas desmatadas, a suspensão do crédito público e privado e o bloqueio da compra de produtos oriundos de áreas desmatadas precisam atingir todos os infratores. Em pleno 2025 — ano da COP 30 — ainda há soja sendo consumida no Brasil e exportada com rastro de desmatamento da Mata Atlântica. Há responsabilidades a serem compartilhadas entre os governos federal, estaduais, e também pelo setor privado, ao longo de toda a cadeia produtiva da agropecuária, da construção civil e da infraestrutura. Já aprendemos a aplicar esses mecanismos, que geram resultados — mas apenas sua aplicação plena poderá nos levar ao fim do desmatamento. Acima de tudo, é fundamental fortalecer os órgãos ambientais brasileiros para a aplicação da nossa robusta legislação.
Além do sucesso da implementação integral de todos esses mecanismos, é necessário acabar com o ambiente de retrocessos na legislação ambiental no Congresso Nacional, que gera instabilidade, é um enorme desperdício de energia e compromete os avanços galgados em diversas iniciativas públicas e privadas no país.
Por fim, é urgente acelerar e ampliar a agenda positiva para quem preserva a floresta. No caso da Mata Atlântica, isso é especialmente importante para as áreas em regeneração, que concentram atualmente 50% do desmatamento e incluem fragmentos não plenamente protegidos pela legislação especial do bioma. O futuro dessa floresta depende do fim do desmatamento, da manutenção dos processos naturais de regeneração e da restauração em larga escala. Dependem também da mobilização e do engajamento da sociedade.
As lições da Mata Atlântica têm enorme valor para serem replicadas nos demais biomas. Já construímos e aprendemos o caminho que levam a uma substancial redução do desmatamento, tanto na Mata Atlântica quanto na Amazônia. Porém, os dados atuais apontam que precisamos de mudanças e construir um novo caminho para sair desse patamar de menores taxas de perda para alcançar o seu fim. O nosso cardápio de soluções ainda é incompleto para este objetivo. Até na Mata Atlântica, em algumas situações, o desmatamento pode ser legal, mesmo que desnecessário para qualquer crescimento econômico e desastroso para a biodiversidade, a saúde, a produção de alimentos e a prosperidade coletiva.
A questão é como vamos dividir a conta entre países e setores da sociedade para que o desmatamento acabe totalmente. Até o momento, a conta fica distribuída para todos, mas de maneira muito desproporcional e muito mais intensa para as populações mais pobres que sofrem com os eventos climáticos extremos e o colapso dos serviços ecossistêmicos. Se não encontrarmos esse caminho, é muito provável que, após uma trajetória de redução, todos os biomas estacionem em um nível ainda preocupante — e insuficiente para alcançar nosso compromisso urgente com o desmatamento zero.
Foto: Área no Rio Grande do Sul atingida por fortes chuvas em maio de 2024, um ano depois. Crédito: Cássio Aranovich / SOS Mata Atlântica.