A Câmara dos Deputados
atentou contra o meio ambiente ao aprovar emendas a uma medida provisória — baixada na última hora pelo governo Jair Bolsonaro (PL) — que desfiguram a Lei da Mata Atlântica, aprovada em 2006, e adiam de novo a implantação do Código Florestal, modificado há uma década.
A MP 1.150, de dezembro passado, fixava em seis meses o prazo para proprietários rurais adequarem seu cadastro ambiental rural (CAR), aderindo ao programa de regularização. Mas deputados ruralistas emendaram o texto para postergar pela sexta vez o prazo, do fim de 2022 para 2023 ou 2024, dependendo da área do imóvel.
Trata-se de receita certa para agraciar refratários a assumir compromisso com a recuperação de superfícies ilegalmente desmatadas.
Os parlamentares não se limitaram a alimentar a noção folclórica de que certas leis são feitas para não valer. Contrabandearam para o texto um jabuti sem relação com o Código Florestal, ao modificara única legislação especial para proteger a mata atlântica, o bioma mais devastado do país.
À parte a possível inconstitucionalidade, a emenda ainda desvirtua a Lei da Mata Atlântica. Altera seu artigo 14, que estabelecia condições excepcionais nas quais poderia ser suprimida vegetação primária, ou com regeneração avançada, em caso de utilidade pública.
Quando se tratar de empreendimentos como linhas de transmissão elétrica, rede de abastecimento de água ou até mesmo, como se cogita, projetos imobiliários, diz o texto da Câmara que a supressão pode ocorrer sem licença de órgãos ambientais estaduais. Bastaria autorização de prefeituras, notoriamente mais vulneráveis a pressões e interesses eleitoreiros.
Organizações ambientalistas, SOS Mata Atlântica à frente,
se levantaram com razão para criticar a medida. Seria a pá de cal tanto no Código Florestal quanto na lei do bioma, em afronta ao compromisso internacional firmado pelo Brasil com a mitigação do aquecimento global e ao do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o desmatamento zero.
Apesar disso, a bancada petista participou do acordo que levou à aprovação da MP, ainda que apostando em futuros vetos presidenciais. Manobra mais que arriscada, numa administração que começa aos tropeços, apoiada em frágil base parlamentar. Mais prudente seria o Senado, para onde segue a matéria, abortá-la de pronto.
Editorial publicado na Folha de S. Paulo na terça-feira, 4 de abril de 2023