Nota de pesar: Niède Guidon, arqueóloga das Américas

04 de June de 2025

A SOS Mata Atlântica lamenta profundamente o falecimento da arqueóloga Niède Guidon, uma das maiores referências da ciência brasileira e incansável defensora do patrimônio natural e cultural do país. Sua trajetória se confunde com a história do Parque Nacional da Serra da Capivara (PI), um dos sítios arqueológicos mais importantes do mundo, que fica dentro dos limites da Lei da Mata Atlântica.

Guidon dedicou sua vida à pesquisa e à conservação da região, onde fundou, na década de 1980, a Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham), com o objetivo de administrar o parque e fomentar estudos sobre os mais de mil sítios arqueológicos ali existentes. Entre suas contribuições mais relevantes está a descoberta de vestígios de fogueiras no Boqueirão da Pedra Furada, que ela defendia terem 32 mil anos, tese publicada na revista Nature em 1986 — um marco na discussão sobre o povoamento das Américas.

Esses achados desafiaram a teoria predominante à época, conhecida como Teoria de Clóvis, que datava a chegada dos primeiros humanos ao continente americano há cerca de 13 mil anos, via Estreito de Bering. As evidências reunidas por Niède e sua equipe indicam uma presença humana muito anterior no território que hoje é o Brasil, reabrindo o debate sobre as origens do povoamento das Américas e impulsionando novas investigações científicas ao redor do mundo.

Para além das descobertas científicas, Niède deixa um legado estrutural e humano. Criou museus, centros de pesquisa e formou gerações de cientistas em uma região historicamente negligenciada. Sua atuação foi determinante para colocar a Serra da Capivara e a vizinha Serra das Confusões no mapa da conservação e da arqueologia mundial.

“Ela é uma grande referência para o país, por toda a estrutura que fez para o parque — os museus, as pesquisas, os sítios descobertos — mas também pela formação de cientistas. É um legado imenso, numa região tão pouco conhecida pela sociedade”, afirmou Marcia Hirota, presidente do conselho da SOS Mata Atlântica.

Para Roberto Klabin, conselheiro da fundação, Niède foi “uma grande líder, uma grande lutadora”, cuja presença transformou a realidade local: “Ela tirou aquela região do anonimato. Trouxe desenvolvimento, oportunidades e fez daquele sítio arqueológico espetacular um destino. Tudo isso graças a ela.”

Niède Guidon nos deixa, mas sua obra permanece viva — nas rochas que contam histórias milenares, nas instituições que fundou e em todos que seguem inspirados por sua determinação. Seu legado é patrimônio do Brasil.

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