Texto: Marina Vieira
Fotos e vídeo: Matheus Mussolin
Os biomas brasileiros, já ameaçados com altas taxas de desmatamento e degradação, enfrentam ainda
mais ameaças vindas do poder Legislativo brasileiro. Aproveitando um período de pouca atenção da população, Projetos de Lei (PLs) que querem diminuir a proteção da Mata Atlântica e outros ecossistemas foram aprovados hoje (23) na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados (CMADS).
Entre eles está o PL 364, que flexibiliza a
Lei da Mata Atlântica e permite a exploração dos campos de altitude – fisionomia mais frágil do bioma essencial para a produção de água e para a biodiversidade –, com cultivo de espécies exóticas, além de dar permissão para novas conversões.
“Houve um acordo entre os parlamentares para que o parecer do deputado Nilton Tatto, que era contrário a esse PL, fosse rejeitado e o projeto fosse então aprovado com novos substitutivos do deputado José Mário Schreiner, todos eles na mesma linha de permitir a conversão e o uso dessas áreas importantes da Mata Atlântica”, relata
Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica, que
estava presente na sessão.
Malu afirma que o trabalho agora será barrar o projeto no seu percurso pelo Congresso. “Ele segue para a Comissão de Constituição e Justiça, onde é possível mostrar a inconstitucionalidade desse texto e defender a integridade da Lei da Mata Atlântica”, declara.
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Além deste, outros dois PLs considerados antiambientais foram aprovados na CMADS. O de número
195, que enfraquece o controle sobre o transporte de madeira e dá brecha para o comércio e desmatamento ilegais, e o
PL 2.168, que permite barrar cursos de água para fins de irrigação e avançar sobre matas ciliares – que são Áreas de Preservação Permanente (APPs) que protegem, entre outros serviços, a provisão de água para o abastecimento humano. “Um projeto como esse, se virar lei, pode gerar instabilidade em todas as bacias hidrográficas do Brasil e alterar o fluxo de vazão de todos os rios brasileiros”, alerta
Kenzo Jucá, assessor do ISA (Instituto Socioambiental).
Os PLs integram o que ambientalistas estão chamando de Saldão do Desgoverno, um esforço final de passar políticas que vão contra os compromissos socioambientais já firmados pelo Brasil, como o Acordo de Paris, e pelo novo governo eleito, que quer zerar o desmatamento em todos os biomas.
Mobilização da sociedade
O conjunto de PLs que estavam na pauta da CMADS nesta quarta-feira foi tema do evento
Café Ambiental: O Saldão do Desgoverno, promovido por frentes parlamentares em conjunto com organizações da sociedade civil, como a SOS Mata Atlântica e o Observatório do Clima.
Malu Ribeiro esteve no café e alertou os presentes, entre os quais as recém-eleitas deputadas
Célia Xakriabá (PSOL-MG) e
Sônia Guajajara (PSOL-SP), da bancada indígena, para os perigos do pacote. "A Comissão do Meio Ambiente hoje é, infelizmente, antiambiental", declarou Malu, numa avaliação confirmada pelo resultado da votação.
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As aprovações ignoraram as manifestações da sociedade na sessão, que se organizaram para participar da votação e do café ambiental. "É muito importante a mobilização da Frente Parlamentar Ambientalista, no sentido de evitar que nesse finalzinho de governo Bolsonaro a Câmara Federal e também o Senado façam passar legislações que ferem o meio ambiente do Brasil, que vão colocar inclusive em risco e dificultar a reconstrução das políticas ambientais já no nosso próximo governo, no governo Lula", afirmou
Douglas Belchior, que é membro da Coalizão Negra Por Direitos e está na equipe de transição do presidente eleito.
Ele diz que os movimentos sociais estão atentos. "A gente teve uma participação do movimento negro na COP [27, Conferência do Clima realizada no Egito], a partir da demanda da luta contra o racismo ambiental, com vitórias importantes.
Acho que tem um fôlego da sociedade civil em torno do tema, que vai com certeza ser prioridade no próximo governo. A gente não pode vacilar, não pode esmorecer, não pode deixar de ficar muito atento nesse finalzinho de mandato para não deixar passar mais boiada do que já passou", defendeu Belchior.
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Apesar dos reveses sofridos, Malu Ribeiro comora o fato de a sociedade ter conseguido evitar a votação de outros três PLs que atacam a Mata Atlântica. Ela resume o dia como de muita pressão da sociedade, tentativas de acordo e participação de lideranças dos movimentos ambientalista, indígena, negro, de mulheres e jovens.
"Foi um dia de celebração também da resistência que nós conseguimos exercer nesses quatro anos de desmonte da nossa legislação ambiental e dos nossos direitos civis. Agora é reconstruir", declara, prometendo seguir acompanhado as pautas e mobilizando as pessoas para impedir o saldão do desgoverno de ir adiante.