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14 de August de 2025
Luís Fernando Guedes Pinto para o Um Só Planeta
Poucos dias em Porto Seguro, na Bahia, permitem acumular grandes aprendizados e fazer reflexões sobre o futuro da Mata Atlântica e do Brasil. Sua biodiversidade é uma das maiores e mais raras do planeta, devido aos diversos encontros entre a Mata Atlântica e a Amazônia – florestas irmãs – ao longo de milhões de anos. O último deles aconteceu há cerca de 20 mil. Há pelo menos 11 mil, povos originários passaram a ocupar a região, convivendo com a natureza e transformando-a, mas mantendo as matas de pé.
A ruptura dessa trajetória de equilíbrio entre o Homo sapiens e a floresta ocorreu em 1500, com a chegada de Cabral e suas caravelas. Ali se iniciou o primeiro ciclo predatório e de destruição do meio ambiente brasileiro, com o genocídio e a escravização dos povos ancestrais e dos negros sequestrados da África. A exploração da riqueza ambiental e da população, voltada à exportação à Europa e ao enriquecimento dos portugueses, deixou um rastro de destruição, violência e pobreza.
Ao mesmo tempo, iniciou-se ali a história do Brasil (com nome extraído de uma árvore da região) e a construção da cultura e da nação brasileiras – fruto da relação conflituosa entre povos originários, europeus e africanos. Não é pouca coisa, portanto, o simbolismo de Porto Seguro quando se trata de rever nossa história e pensar no futuro. E alguns padrões continuam se repetindo num contexto contemporâneo – tanto com ameaças quanto com oportunidades e bons exemplos.
Em uma consulta superficial na internet, vemos que hoje Porto Seguro, com suas praias maravilhosas, é tido como um paraíso de turismo tropical. Mas há muito mais ali do que a faixa de areia ocupada pelos turistas. O município é grande, entre os maiores e mais populosos da Bahia, com grande proporção de indígenas e negros. A desigualdade, marca brasileira, fica evidente entre o luxo dos resorts e as ruas dos bairros que nem sequer contam com saneamento.
Segundo o Mapbiomas, metade do território do município é ocupado por vegetação nativa (florestas, mangues, restingas e áreas alagadas). Grande parte está protegida por três parques nacionais (Pau Brasil, Descobrimento e Monte Pascoal), cada um deles com cerca de 20 mil hectares. A soma dessa área, maior que Florianópolis, em Santa Catarina, protege o pouco que sobrou da biodiversidade da região.
Ainda assim, encontrar uma grande árvore de pau-brasil não é uma tarefa fácil por lá. Vale lembrar que a atividade madeireira só chegou à Amazônia depois de esgotar o rico estoque de madeiras nobres da Mata Atlântica na Bahia. Os parques em Porto Seguro, no entanto, ainda sofrem com a pressão externa de caçadores e madeireiros, sendo que dois deles convivem com a complexidade de abrigar povos indígenas – que sempre estiveram ali. Esses parques, pérolas da Mata Atlântica, são complementados por diversas reservas privadas (RPPNs), que somam outros milhares de hectares protegidos.
Algumas delas oferecem atividades de turismo, educação ambiental e produção agropecuária.
Descontando-se a pequena área urbana, a outra metade de Porto Seguro está ocupada por agropecuária – pastagem em sua maior parte. Assentamentos de reforma agrária e fazendas produzem frutas que são exportadas para outros estados do Brasil. A moderna silvicultura de eucalipto (que foi o último vetor de destruição da floresta em escala na região) ocupa outros 22% do município.
Esse pedaço do sul da Bahia e do norte do Espírito Santo está entre os locais onde as árvores apresentam a maior taxa de crescimento do planeta, devido ao sol e à disponibilidade de água o ano inteiro. Sua vocação é a silvicultura e a produção agroflorestal: tanto a pastagem quanto a monocultura agrícola desperdiçam energia solar e água.
Nesse contexto, duas iniciativas se destacam – aproveitando cada raio de sol e gota de água para apontar futuros de um uso da terra sustentável e produtivo. Em um projeto de 40 anos, a Fazenda Nascente tem sistemas agroflorestais (SAFs) complexos com diversas espécies. Tem foco principal na produção de cacau, seringueira, coco e açaí, que se combina a culturas alimentares e pastagens entre as árvores. Vinte anos depois de ocupar uma terra degradada, a fertilidade do solo alcançou o mesmo nível dos remanescentes florestais. Sofrendo a pressão da expansão imobiliária, a fazenda é cortada pelo Rio dos Mangues, cuja água, devido à conservação e recuperação dos remanescentes florestais e ao manejo dos SAFs, sai de lá com melhor qualidade e em maior quantidade do que entra. Dois indicadores evidentes do que hoje se chama de agricultura regenerativa.
Em Porto Seguro também está o projeto pioneiro de silvicultura tropical e plantio de árvores nativas para produção de madeira da Symbiosis. Depois de dez anos de experimentos, reúne o estado da arte em seu viveiro de mudas e nas fazendas de produção de madeira. Inspira e é referência para os novos projetos de silvicultura na Mata Atlântica. Não é à toa que foi escolhido pela Apple para ser o principal projeto florestal da empresa. Os créditos de carbono são apenas o complemento de um projeto de longo prazo, com gestão profissional apoiado na ciência e na tecnologia de ponta, além de gerar muitos empregos dignos e diversos na região.
Com tudo isso, Porto Seguro tem um significado e um legado histórico para o Brasil que permanece marcado por complexidades, contradições, diversidade e desigualdade. É um túnel do tempo tanto para o passado quanto para o futuro. Reúne aprendizados do que não devemos repetir, embora já estejamos fazendo isso em outras regiões – a Amazônia é uma delas. Mas conta também com experiências promissoras públicas e privadas de iniciativas que devemos fortalecer, apontando caminhos para a conservação, a prosperidade e o bem-estar da Mata Atlântica e dos outros biomas brasileiros.
Há muitas pressões, assim como oportunidades. Se nada acontecer, Porto Seguro corre o risco de sofrer com o crescimento do turismo desordenado, ser vítima dos desastres ambientais e cair no lugar-comum das monoculturas, com ilhas de sucesso, nesta encruzilhada em que se encontra o Brasil. Se as políticas e as instituições de comando e controle forem fortalecidas e as de incentivo, aceleradas, muita coisa pode mudar.
A implementação efetiva do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e do Código Florestal, a transformação do Plano Safra em uma política alinhada à agricultura regenerativa e de baixo carbono, além da retomada em larga escala dos programas de assistência técnica e de apoio à agricultura familiar, entre outras medidas, podem transformar essa visão em realidade. Aliás, não se trata de um sonho – é uma possibilidade concreta.